20 abril, 2010

"mais do que o real"

"A propósito dos quadros, não trabalhei hoje quase nada. Trabalhaste alguma coisa? A Ângela vai-me perguntar na sua voz plana e neutra de horário de trabalho. Ando agora a pintar um que, já digo. Agora quero olhar o mar enquanto não vêm da praia. Vê-lo de dentro do parapeito da janela. A casa comprámo-la a uma viúva, amiga da Ângela, Não tinha filhos, detestava ouvir o mar pela noite, era mais viúva aqui e vendeu. De noite o mar aproveita para ser medonho. Porque o medo é mais feito do possível do que real, Um condenado à forca quando sofre mais não é quando tem a corda no pescoço. Penso eu, que ainda não fui enforcado, E o escuro tem mais carga de possíveis, aliás, deixa-me filosofar um pouco enquanto olho o mar dentro da minha segurança. Aliás, tudo é sempre mais do que o real. A esperança, o amor e assim. Que esquisito o bicho homem. O que mais lhe interessa não é ter mas o que não tem, mesmo que depois de o ter, Quando o tem, senta-se logo nele como um comboio num apeadeiro para seguir logo viagem. O real é uma vigarice como uma verdade adquirida – mas acabou a conversa, porque ouço o carro de Ângela."


Vergílio Ferreira, "Na tua Face",Circulo de Leitores, pp 31

[- Continuo sem terminar nada :( ]

2 comentários:

didi disse...

Venha passar o feriado de corpus chistis em campos do jordão www.camposdojordao.inf.br

sonhadora disse...

Olás míuda :-)

Tu andas imparavel!!
Há por aí um cadito de inspiração para ofereceres aqui à je? :-)

Beijo na xexa ;-)