23 abril, 2010

Devanear


Quando vives no cimo da montanha tens muito tempo. Tens tempo para tudo e passa-se o tempo a inventar o que fazer. Tornamo-nos mais criativos. Mas também mais introspectivos.

O silêncio ainda é rasgado pelo latir dos cães ao longe e pelo rugir do vento a passar na folhagem. Aqui ouvir uma música ainda pode ser avassalador!

Com todo este sossego e isolados em nós mesmos, falamos pouco. Incorporamos a alma das mulheres de negro que passam debaixo dos seus lenços. Lenços que apenas demonstram os rostos sulcados pelo tempo.

Acho que com o tempo vamos adquirindo a sua postura curvada como se carregássemos o mundo aos ombros.

Pensamos de mais. E este ar frio e puro provoca-nos essa sensação de deliro tantas vezes idílico que nos leva daqui para fora, para outros tempos, outras paragens. Por vezes fecho os olhos e estou num porto em pleno século XVI… sinto as vozes, os cheiros os burburinho e azafama… Viajo muito, também assim.

Outras vezes o mesmo ar quase nos leva a loucura quando soprado por vento norte como hoje. Parece que se incorpora em nós uma tendência para o declínio, que nos empurra para o precipício.

E hoje ao sentir esse vento nesta paisagem infinita de ravinas imaginava-me eu a desprender-me dali. E foi aí que me ocorreu um pensamento menos trágico:

Se morresse eu, ali naquele instante, o meu íntimo pensamento, o meu último suspiro, a minha saudade seria entre tantos suspiros pensamentos e saudades, por ti.
...

3 comentários:

a disse...

Devanear por alguém é bom, mesmo que seja loucura da nortada, termos alguém em quem pensar no último momento.

Não estamos sós.

Andréa disse...

Oi Adorei o texto...ótimo texto para um fim de semana.

beijos

Márcia Maia disse...

muito belo.
um beijo azul daqui.