11 agosto, 2009

Devaneio

...
Quando finalmente as palavras se lhe soltaram da garganta, após o choro incontido, disse:
- Vou propor-te um acordo. Mas, se não aceitares ele será unilateral. Sei que errei. Errei como nem sequer eu esperaria de mim. Agora, como forma de pelo menos me obrigar a pensar no meu erro, prometo-te que durante um ano não terei nem o mínimo relacionamento com ninguém. E daqui a um ano, neste preciso dia virei aqui falar contigo e haveremos de chegar a alguma conclusão.
Olhou-a atónica. E como de um rasgo soltou um:
Enlouqueceste! Achas que esse cavalheirismo de trazer na algibeira remedeia alguma coisa .– prosseguiu.
Iakyri sentiu o mundo cai-lhe aos pés. Com o olhar perdido saiu pela porta num quase modo automático. E até hoje não sabe muito bem como chegou a sua casa, muito menos quanto tempo lhe levou a chegar.
Akala, ao bater da porta, desmoronou a sua parede de pedras roliças. Levou dias a fio até conseguir ganhar uma forma mais ou menos apresentável para ir trabalhar. Abençoadas baixas psiquiátricas.

Passaram meses, até que, por mero acaso ou não, se encontraram num convívio de amigos comuns. Cumprimentaram-se, e por várias vezes ainda trocaram algumas palavras num tom descontraído.
Iakyri, regressou do encontro com a alma rejuvenescida. Nada a poderia abalar do seu propósito. Conseguiria, comprovar que era melhor pessoa do que se comentava por ali.
Akala, por seu lado, regressou de novo incontida. Como foi possível alguém estragar algo tão bonito, tal belo! Como, além disso, conseguia estar ali a rir e a divertir-se! Quando ela fazia um esforço brutal para que as lágrimas não lhe corressem pelo rosto. E cinicamente, demonstrava que tudo tinha superado.

Tinha passado mais de meio ano. Iakyri apesar do tormento que passara quando conheceu Celina, uma fotógrafa espanhola que se dissesse que era uma deusa ninguém duvidaria, amesma que a tentou de todas as formas que tinha ao seu alcance, e a quem Iakyri conseguiu resistir mesmo com as lágrimas sempre no canto do olho.
Quase desistiu do seu acordo. Passou noites em claro dividida. Passou dias absorvida em papéis e mais papeis só para não pensar. E, quando a paixão repentina passou, estava mais forte que nunca, mais resolvida que nunca no seu propósito.
E iria em breve ter a oportunidade de rever Akala. Mais um convívio de amigos. E ela estaria lá.
Akala, por seu lado os dias pesavam-lhe. Passavam lentos, os dias. Decidiu que esqueceria, e depois de tantos investimentos de Sahara acabou por ceder. Gostava dela, a sua companhia era agradável, e a sua presença incondicional era deveras reconfortante.

Chegou por fim o dia tão aguardado por Iakyri. Lá estavam todos, os do costume, que cada vez se tornava mais raro, na verdade.
Akala já lá estava, sempre pontual, quando Iakyri chegou. Cumprimentou-a da forma pouco dada que a caracterizava, como aliás, cumprimentou toda a gente. Iakyri passou o tempo todo sentada, absorta. Havia algo que a ela constrangia, e a toda a gente, e não sabia ao certo o quê.
Quando por fim, Rufina, sempre resoluta, aproveitou um momento em que se encontravam um pouco desviadas dos restantes, e lhe deu a novidade. Novidade para ela, pois já todos o sabiam há algum tempo.
Como por favor, apoderou-se dela uma enxaqueca horrível. E aparentemente transtornada, despediu-se de todos e a meio da tarde acabou por ir embora. Pela primeira vez desde aquele dia consegui olhar bem no fundo dos olhos de Akala. Não, não era um olhar punitivo, era a desilusão apoderando-se dela.

Os últimos quatro meses e meio que faltavam foram um suplício. Chegou inclusive, como penitenciário, a riscar dia a dia num calendário. Até disso desistiu. Passava horas a fio olhando o vazio. Sentia um vazio imenso no peito. Como poderia alguém, perante prova tão grande, reagir como se não existisse sequer. Não o conseguia aceitar, pois nunca o conseguiria ter feito assim. Por momentos, muitas vezes, arrependia-se de ter deixado Cecília, partir desolada depois da batalha perdida. Mas a maior porte do tempo só desejava a chegada daquele dia. No fundo havia nela uma réstia de ilusão.
Akala, levava uma vida tranquila. O encontro com Iakyri, tinha a destabilizado de novo. Mas, de novo agarrada à sua ancora, Sahara, tinha dado a volta ao animo. Sahara demonstrou que não conseguiria lutar muito mais por ela. E isto fez Akala recuperar mais rapidamente.

Faltava uma semana. Iakyri não cabia dentro de tanto nervosismo. Não encontrava uma forma que lhe parecesse correcta de encontrar Akala para lhe dar a sua prova. Por vezes pensava que a outra não acreditaria na sua palavra. Mas, depois de tanto sofrimento, já não queria saber. Na realidade, desejava o dia pelo fim do suplício. E se um dia pensava que poderia existir uma réstia de esperança, no outro, via aquela meta como o começo de uma vida. Uma nova vida.

Finalmente, o dia chegou.
Eram onze horas da manha quando, por fim, Iakyri decidiu ligar com o propósito de combinar um local para que pudessem por fim falar. O telefone de Akala estava desligado. Deixou passar umas horas. Tentou de novo. Estranhando ligou a Rufina, afim de saber alguma novidade de Akala. Soube que esta estaria de férias fora do país.
Dirigiu-se a casa de Akala. Sentada no tapete junto a sua porta pegou num papel e numa caneta e escreveu, escreveu e escreveu. Falou-lhe de tudo o que sentia por ela, como se a acabasse de conhecer e se a sua história nunca tivesse existido, como se pela primeira vez lhe declarasse o seu Amor. Meteu o papel debaixo da porta e saiu. No regresso a casa, pegou na mochila com meia dúzia de coisas e nunca mais ninguém ouviu nada dela.

Diz-se, por aqui, que estará em alguma ilha, junta com um grupo de Hippies. Há também quem diga que se terá matado, e outros há ainda que dizem que finalmente se dedicou aos outros e que anda por África numa ou outra missão. Há que fale bem e quem fale mal, como sempre.
O certo, é que ninguém sabe nada.
Akala, lá continua a sua vida tranquila com Sahara. Vivem juntas. E são muito amigas. Akala, nunca comentou com ninguém o que Iakyri lhe escreveu, e nunca participa nas conversas quando Iakyri vem à baila. Por certo, a sua mãe foi lá a casa regar as plantas e levou os papéis. Mas até isso ninguém sabe.
E estão todos velhos para tentar saber.

Mas eu ainda credito que um dia, estas duas, deixaram de ser egoístas e arranjam tempo e espaço para viverem o Amor que poderiam estar a viver há anos.
Não se tropeça nele todos os dias. E pode-se mesmo viver bem sem ele.
Mas desculpem lá, não é a mesma coisa!

6 comentários:

Kat disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kat disse...
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Kat disse...
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Kat disse...

Desculpa a invasão, mas gostei bastante do texto e tenho a dizer que concordo plenamente com a conclusão final. Pode-se viver sem amor, mas não é o mesmo...
Quem é que nunca sofreu por amor? Quem é que nunca errou ou teve de fazer sacrifícios por alguém?

Gostei do ambiente e nomes exóticos.

AlmaAzul disse...

Obrigada, Kat. Não conhecia o teu blog. Mas já tive a oportunidade de ler algumas coisas bonitas por lá :)

Kat disse...

Oh *.* Obrigada!
Serás sempre bem vinda por lá :)