15 março, 2010

Mais uma carta para Ana

...
Ana,
Faz muito tempo que não te escrevo. De certa forma acostumei-me a ideia generalizada que tudo tinha sido dito. Mas no fundo, prefiro pensar que derramei as palavras no rio Sabor, aquele dia. A ideia é-me mais leve.
Por isso escrevo-te, mas não tenho nada para te dizer de novo. E também sei que não vens aqui ler-me, pelo que depreendo do que falamos, por isso também não faria sentido dizer-te nada.
Da mesma forma não faz sentido escrever-te aqui o motivo que me leva a escrever-te. Mas sabes, ainda continuo a ter muita dificuldade em sossegar o cérebro.
 [Agora recordei-me de algo para fazer, talvez vá pintar o resto do puzzles do prato que foi a única coisa que trouxe comigo. É, ele ainda continua branco aqui do meu lado esquerdo igualmente verde… e branco. }
Mas, mesmo sem sentido ( e eu que faço tanta coisa sem sentido), hoje escrevo-te para te pedir algo que tu não podes fazer, mas pedir não custa e como nada espero, não importa para coisa nenhuma esse pormenor.
Queria pedir-te para que escrevesses a todas as pessoas que me conheceram depois de ti, e lhes explicasses como era simples, como tudo em mim era concreto e linear, como eu era o que estava ali assim aberta, como olhava as pessoas nos olhos e falava naturalmente sem pensar muito nisso, como era inocente fazendo jus ao nome e quase saltitante e terna como as gotas e orvalho nos dias em que amanhecíamos junto ao rio… Explica-lhes, também,  como chamava as pessoas pelos nomes, e isso era natural. Explica-lhes também como as mãos eram abertas e os silêncios profundos e serenos… como conseguia trazer o mar para casa e fazer daquele T0 um mundo de cores e formas onde todos se perdiam… Explica-lhes tudo, se ainda te lembrares. Eu confesso que já tenho alguma dificuldade em recordar-me. Passou tanto tempo. As memórias também morrem, sabes?
Pensando melhor, deixas estar eu vou desenterrar a minha caixa negra, que estou farta deste azul sombrio dos dias que levo. Eu mesmo lhes escrevo. Apesar de continuar a achar que devias escrever mais, escreves tão bem…
Um beijo. 

 

1 comentário:

rv disse...

é, as memórias tb morrem, prova disso é o sossego do coração.
M não morrem sozinhas, nós ajudamos qd a razão nos diz q está na hora.
abraço