Desde que o meu amigo António morreu… (e já la vão alguns anos) que me distanciei de Lobo Antunes. Ele admirava-o deveras. Foi mesmo ele quem me iniciou na sua leitura. E em tantas outras coisas. Comecei por ler o "Alto dos Danados”. Divinal, diria.
Na Altura da morte do meu amigo lia “Exortação aos crocodilos” e sonhava arranjar tempo para me perder por os meandros do pensamento do autor. Tinha falta de tempo. Tão pouco tempo para fazer as coisas que gosto que nem sequer me despedi do António.
Mas sei que ele será um dos que me esperará “na ponte do fim”.
Hoje decidi reconciliar-me com o autor: Peguei no livro que deixei a meio… Mas achei que ainda era cedo para termina-lo. Escolhi outro… não sei mas o titulo pareceu-me mais adequado ao estado de espírito: “não entres tão depressa nessa noite escura”.
Já tinha feito uma primeira aproximação uma vez aquando da feita do livro em Lisboa, em que toquei meia dúzia de sorrisos e algumas palavras. Mas aquele era o psiquiatra não o escritor. E com esse a reconciliação seria fácil.
Ele poderia ter dito algo como :
"No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, transformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos."
- Público, 18.10.1992
E eu ficaria calada a espera que ter mais de 30 anos para que não me retorquisse que:
"Muitas vezes, põem-se meninos e meninas de vinte anos a escrever críticas. E há outros que também escrevem romances. É muito raro aparecerem bons romances antes dos trinta anos, muito raro. Um tipo só pode fazer uma coisa de jeito depois de ter passado pelas coisas. Se não viveu, os livros até podem estar «tecnologicamente» correctos, mas não há ali mais nada. A experiência de vida cada vez mais me parece fundamental."
- Ler, 1997
Li algumas páginas. Eu leio devagar. Perco-me facilmente no pensamento do autor. E o autor, neste caso, não é light como ele mesmo diz :
"Eu não sei o que é que é light, sei o que é light em relação a cigarros. Há literatura, e não há literatura. Pois a literatura não é isso, é uma coisa nobre, a literatura é o que faz o Dostoievki."
- entrevista na RTP 2, programa Por outro lado, 04.04.2006
Esse é um dos ponto que temos em comum, eu normalmente também não gosto de literatura light. Leio e até já admirei um ou outro livro mas de uma forma geral não gosto. Mas leio. Só podemos saber se não gostamos lendo. E eu leio muitas coisas que não gosto.
Outro dos pensamentos em que também me identifico com ele é que:
"São precisas muitas mulheres para esquecer uma mulher inteligente."
- Diário de Notícias, 17.02.2006
Mas, voltando ao livro, nas poucas páginas que li, já acordei o bichinho de devorar de livros DELE.
Fica um excerto, para quem não conhece, provar:
“
há muitos anos antes de haver o carro com os guardas a seguir ao dele, vi o meu pai com uma senhora no automóvel, não me esqueci do cigarro na mão dela, a primeira vez que me ofereceram um no intervalo do colégio a minha mão tornou-se de súbito a de uma pessoa crescida, a palma da senhora aproximou-se do meu pai sem dentadura, ligado a um balcão de sangue enquanto lhe separavam as costelas, pisei logo o cigarro e ainda hoje não uso anel nem consinto que a manicura
a minha mãe sim, a Ana sim, a minha mãe ao jantar
- A Maria Clara é o homem da casa
Deu-se ideia que o meu pai is falar porque interrompeu o gesto e nada, desapareceu no pescoço e tapou a boca e com o garfo, tão-pouco falava do trabalho e dos pais que não tinha, apenas a família da minha mãe no álbum do casamento e estrangeiros que entravam e saíam do escritório, o álbum do casamento onde a minha avó se enfeitava de jóias falsas e luzia cintilações”
In “não entres tão depressa nessa noite escura”, Publicações Dom Quixote; pág. 30; António Lobo Antunes.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário